Thursday, February 12, 2009

Myra

Myra
Maria Velho da Costa
Assírio e Alvim, 2008

Desta vez vou falar de mim. Hoje, vendo livros em Sines. O topónimo gerará opiniões diversas, logo que ouvido ou lido. Cidade portuária de indústrias pesadas mas, também, terra de Vasco da Gama, de praias, lazer, peixe, comida.
Vender livros numa terra com estas características sumárias provocará, também, juízos antagónicos.
Hoje, vendo livros em Sines. Claro que, pela posição geográfica e características sócio-económicas da população, residente ou flutuante, teria alguma lógica o pedido de Myra, de Maria Velho da Costa: a história da imigrante de Leste que ruma ao Sul neste Portugal de acolhimento. Ou refúgio!
Ninguém mo solicitou, nem sequer quando foi falado nos jornais e revistas, na rádio e televisão; quando teve muitos dias de montra e mesa privilegiada na livraria.
Pedem-me, sim, o Tubista Básico Prático, edição Rei dos Livros.
Ironicamente, grande parte dos compradores do pequeno manual técnico é imigrante de Leste. Homens. Que vivem e trabalham no meio de nós. Tomam banho na praia, bem ao nosso lado. Bebem um copo no bar onde ombreamos ao balcão.
As mulheres – esposas, irmãs, parentes ou, simplesmente, patrícias, limpam-nos as casas, atendem-nos ao balcão, corta-nos o cabelo, fazem-nos pequenos trabalhos de costura.
O romance que a Assírio e Alvim publicou, depois de vários anos sem que nada de Maria Velho da Costa tivesse saído do prelo, foi a minha primeira leitura de 2009.
Num fim-de-semana fantástico em que o frio tornava leve a montanha de pesadas mantas e cobertores, só se ouvia o crepitar da lenha na lareira e a chuva forte no telhado daquela casa de pedra e telha vã, donde se avistam os cumes brancos da Serra da Estrela.
Salvo raras excepções em que vendi o livro em Sines, não a pedido dos clientes, mas aconselhado por mim - imposto, quase – Myra manteve-se sempre na primeira mesa da livraria até chegar o dia de voltar para o caixote das devoluções.
E lá foi ele, aconchegado, entalado, no meio de outros até ao armazém.
Aí, talvez as mãos de um russo ou de um romeno o tenham retirado da caixa, conferido, colocado novamente na prateleira da distribuidora, para depois o retirar outra vez, facturar, embalar de novo e enviar-me, agora, numa consignação de 60 dias.
Já chegou. Recebi-o, mas não como comida requentada. Como se fosse novidade, voltou ao seu lugar na primeira mesa da livraria.
Vou tentar, ainda outra vez, abrir a alma industrial da cidade com o abre-latas de Maria Velho da Costa. Mas, agora, não vou deixar de ficar com um exemplar para mim. Talvez venha a ler excertos em voz alta para quem quiser ouvir.
Mas, de cada vez que lhe pegar, certamente que não vou esquecer o crepitar da lenha nem o barulho da chuva no telhado do melhor início de ano de que me recordo.
Para isso concorreu Myra que, lido nos primeiros dois dias do ano, dificilmente será destronado, até Dezembro, como um dos melhores livros por mim lidos em 2009.

Sines, Janeiro 2009
Joaquim Gonçalves

2 comments:

jorge vicente said...

já o comprei, mas ainda não o li.

decerto, será uma leitura magnífica.

um grande abraço
jorge vicente

Carolina said...

Até me admiro que não me tenha feito "reclame" desse. Já sabe que até costumo "morder a isca".
E com que então fim de ano a avistar a Serra da Estrela!...
Hum!....