Thursday, May 28, 2009

Barroco Tropical

Barroco Tropical
José Eduardo Agualusa
D. Quixote, Junho 2009
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“(Chamo-lhe romance. Gosto da palavra, do sabor dela, mas podia dar-lhe outro nome qualquer: testemunho, relato; talvez acatar a sugestão de Kianda e chamar-lhe um elucidário. Escrevo para compreender e aceitar.
Escrevo para tentar perdoar-lhe.)”
(pág. 329)

Começa por parecer um romance. E será um romance. Ou não… Do que se trata, decerto, na minha modesta opinião, é de um manifesto. Político, de amor, sarcástico. Clarividente, sobretudo.
Só no início nos apercebemos de que estamos a ler um romance futurista: Luanda, 2020 – assim nos avisa o texto da contracapa. Com o avançar da leitura isso fica para segundo plano, tal é a realidade actual que nos entra pelos olhos dentro.

“Estamos mergulhados na luz. Estamos afundados no obscurantismo e na miséria. Somos incrivelmente ricos. Produzimos metade dos diamantes vendidos no mundo. Temos ouro, cobre, minerais raros, florestas por explorar e água que não acaba mais. Morremos de fome, de malária, de cólera, de diarreia, de doença do sono, de vírus vindos do futuro, uns, e outros de um passado sem nome” (pág. 93).

Agualusa atreve-se a denunciar, não há dúvida. Com ou sem liberdade poética, a denúncia espreita a cada página. Mas não derrota. É no próprio sogro do escritor do romance que coloca as palavras: ”O país caiu nas mãos de quimbandeiros e de aventureiros sem escrúpulos. Não podemos baixar os braços. A luta continua. A vitória é certa” (pág. 331). Porque o escritor – o protagonista da história, Bartolomeu, ou o autor, Agualusa – é um artista: “Deixem-nos a nós, os artistas, sentir muito – o nosso ofício é sentir muito. Médicos, advogados, políticos, engenheiros, prostitutas, proxenetas, psiquiatras, militares não podem sentir muito. Sentir muito prejudica-os na sua actividade” (pág. 321).

Sentir e pensar. A denúncia vinda do futuro, ou o presente a projectar o futuro: “Ninguém quer pensadores neste país. É coisa que desagrada quer aos dirigentes angolanos quer a todas as empresas e governos que aqui têm interesses. Angola vai muito bem. Continua a crescer, mesmo sem o petróleo. Dá dinheiro a ganhar a muita gente. Os pensadores costumam ser enviados para o aeroporto, ou então para o Tata Ambroise [centro de saúde mental]. Alguns morrem pelo caminho, coitados. Pensar prejudica a saúde” (pág. 242).

Ao longo das quase 350 páginas deste Barroco Tropical, Agualusa conta-nos uma história. Aliás, várias histórias. Fala de etnias e problemas étnicos; defende a Língua Portuguesa. Por mais que o escritor pretenda escrever sobre outras coisas, mais sociais, mais políticas, a ancestralidade está sempre presente. A África profunda, o fantástico, o maravilhoso, apesar do ambiente citadino da novela (?), a surgir no homem com asas, no búzio que soprou o verso de “Barroco Tropical”, o êxito musical que dá nome ao livro.

A história é, também, a de uma estrela da música… ou outra estrela qualquer! Que, como todas as estrelas, como a vida:…

“As noites estão cheias de estrelas e no entanto vê como são escuras. O brilho das estrelas não ilumina caminho algum” (pág. 132).

Se é possível que os sentimentos, mormente o amor, sejam definíveis, José Eduardo Agualusa fá-lo de uma forma magistral no trecho em que se define o título do livro.

“Os sonhos são inapreensíveis” (pág. 123). Não o será, também, o amor?
Joaquim Gonçalves, Maio 2009

Ler AQUI o primeiro capítulo de Barroco Tropical.
Mais sobre José Eduardo Agualusa
AQUI.
Veja, a seguir, Agualusa a falar sobre Barroco Tropical:
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