Monday, March 21, 2011

Como o ar que respiras

Como o ar que respiras ****
Maria João Martins, Porto Editora, 2011

Já me apaixonei por um sorriso, por cabelos ao vento. Já me apaixonei por uma silhueta. Já me apaixonei a sério. Mesmo a sério. E dá fome, e ansiedade, e dor, tristeza.

O amor, a paixão, não têm época. Mudam as circunstâncias, quantas vezes a geografia, mas aquela facada no coração ou sei lá o que temos de mais profundo cá dentro, isso não muda.

Da época vitoriana para os nossos dias, Maria João Martins acompanha dois romances. Um deles motivado pelo primeiro, o mais antigo, o vitoriano, de Roberto e Elizabeth Barrett Browning, iniciado a partir da leitura do livro Sonetos Portugueses escrito pela inglesa nascida no início do século XIX, de que retirámos este excerto onde a autora foi buscar o título deste romance.

«Como gosto de ti? [...] Amo-te simplesmente como o ar / que respiras.
Ao sol, na escuridão. / Com a audácia de um livre coração.»

O outro é o de Gabriel e Angie, ele em Lisboa, ela em Londres, com aproximações e afastamentos mas, tal como Roberto e Elizabeth, com a barreira geográfica a potenciar a dor.

O sentimento dos amantes de antanho provoca a ebulição do cérebro dos nossos contemporâneos apaixonados.

Maria João Martins consegue, com muito cuidado, fazer-nos acompanhar as duas épocas, através das linguagens; dos tempos do relógio e de calendário de que nos apercebemos; das alusões locais, seja em Londres ou em Lisboa.

“O princípio da Rua do Século, para quem desce, vindo do Príncipe Real,
O Convento dos Cardeaes,
O arco inesperado que abre para a Rua da Academia das Ciências,
A música que sai das janelas da Escola de Dança pela manhã,
E aquele Chiado em que sentava agora (com um café verdadeiro, saboroso e aromático à sua frente […]”
(pág. 62).

Como o ar que respiras transporta-nos da época vitoriana à actualidade – Obama já foi eleito presidente dos Estados Unidos da América – e, dos tempos actuais, é-nos deixado um retrato bem realista:

“Acreditava que só os momentos muito duros revelavam o melhor da humanidade. Nos outros, esta aborrecia-se a engordar, a acumular inutilidades, a casar por desfastio ou conveniências menores, Da mediocridade ao anestesiamento moral distava apenas um pequeno e perigoso passo. Que, ao longo das última década, fora dado com a maior volubilidade, por financeiros, governos e milhões de consumidores inconscientes, em todo o mundo.” (págs. 133-4)

De referir ainda as interessantes referências literárias, musicais e cinematográficas a que não será alheia a síntese biográfica da autora que nos é revelada na badana inicial.

Como o ar que respiras não faz parte dos romances de moda. É, sim, um belíssimo livro inteligente, irrepreensivelmente construído que, tal como a Gabriel e Angie, nos puxa pela manga do confronto com os nossos sonhos. Afinal, o confronto connosco próprios.

Não sendo aquilo a que usualmente se chama um romance feminino, a autora não perde a oportunidade para denunciar a solidão, a tristeza, a frustração da mulher espartilhada ao longo dos tempos pela condição imposta pela ditadura que qualquer religião implica e transmite à educação de sucessivas gerações. A chantagem emocional castradora.

Como diz Maria João Martins em Nota final, “A vida é maior do que a ficção”.

Não gosto da capa. Mas, com uma obra destas, o que interessa a capa se este é um livro que merece ser vendido em livrarias?

Joaquim Gonçalves
Sines, 19 de Março de 2011

1 comment:

Paula Abreu Silva said...

Uma excelente sugestão ... ;)