A despedida de José Alemparte
Paulo Bandeira Faria, Teorema, Março 2012
Despedi-me de José Alemparte sem que ele se tivesse ido
embora.
Paulo Bandeira Faria, que já me havia surpreendido com “As
sete estradinhas de Catete”, um romance de Africas, como o título deixa
antever.
Com este novo livro o Autor transporta-nos para uma Galiza
quase Portugal; memórias da Guerra Civil espanhola e, também, memórias do
próprio presente.
Um romance em que os sentimentos, dentro das suas
especificidades se misturam e as línguas se confundem sem se atrapalharem. Na
realidade e como metáfora. A páginas 292, fica transparente:
“Há duas na Galiza: a
original e o castelhano. Ambas são nossas. Portanto, sirvam-se de qual se
sirvam, deixem-se de politiquices e comuniquem apenas. Já é mais do que
suficiente para manter viva uma língua: transmitindo a verdade dos afectos mais
do que as razões. Qualquer língua que se use para perpetuar ensinamentos,
resolver problemas e dizer coisas ternas estará sempre viva. Em vez de dividir,
as línguas unem, só há que expressar nelas o que de melhor há em nós. Escolher
entre elas as melhores palavras, em suma. De qual nos servimos quase me parece
secundário, pois a verdade está em nós, e quem a expresse não dá vida a uma
língua, dá verdade a si próprio.”
São três os narradores de “A despedida de José Alemparte”: O
próprio, galego, septuagenário que descobre que tem a doença de Alzheimer e, a
partir daí, quer arrumar contas com a vida; Emma, cansada do marido e que se
refugia num “chat” que lhe vai trazer surpresas, e Alex, criança sem papas na
língua, com o seu computador novinho, oferecido pelo avô, que o utiliza para
escrever o seu trágico-cómico diário.
Ensinado pela vida, Alex descobre que os super-heróis
existem fora da fantasia:
“Os super-heróis não
são aqueles tontos que estão na televisão a dizer que vão salvar o mundo. São
os que temos em casa e andam sempre a lutar para que as coisas melhorem. E vejo
que é tão difícil a vida dos pais que já nem quero ser grande depressa, é mais
fácil ser filho” (p. 304).
Em “A vida de José Alemparte” os personagens descobrem, com
as dificuldades e a desilusão, os segredos da vida. Nunca é tarde.
“Havia quem tivesse
inveja da felicidade de um casal, já se sabe, há gente para tudo, e
mandaram-lhe todos os males. O primeiro foi o ciúme, mas o casal sobreviveu a
isso. Depois foi o egoísmo, mas o casal também o superou. Vieram outros males,
quer o casal ultrapassava sempre, fortalecendo-se. Por fim, enviaram uma figura
misteriosa, que chegou de noite, com o rosto escondido pela sombra de um grande
chapéu. Quando partiu, o casal separou-se. Pergunto: Qual era esse mal que por
fim destruiu o casal?
Não souberam
responder.
Pois: a rotina”
(p. 278).
Para além do lúdico que o livro nos oferece, são, no entanto,
três os grandes temas que o atravessam: a Guerra Civil, o terrorismo na época
de transição para a democracia e as dificuldades da actual crise.
Mas tudo isto subentendido, sem a carga aborrecida das
descrições históricas.
Despedi-me de José Alemparte sem que ele se tivesse ido
embora porque, como refere uma das personagens, quase a terminar: “Nunca se deve dizer tudo” (p. 307).
Sines, 28 de Maio de 2012
Joaquim Gonçalves
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