Thursday, May 15, 2008

AvóDezanove e o segredo do soviético

AvóDezanove e o segredo do soviético
Ondjaki
Caminho, Maio 2008, 12,90€

“Afunda-te poeira, afundem-se pensamentos malditos! Viva a poesia de falar à toa!” (pág. 24).

Acabei de ler este novo romance do jovem escritor angolano Ondjaki com a certeza de que estava enganado quando falei do autor quando do lançamento de “Os da minha rua” no ano passado. Dizia eu, então, referindo-me à carta em jeito de posfácio dirigida a Ana Paula Tavares, que Ondjaki parecia querer libertar-se da "obrigação" das memórias infantis para abrir nova etapa. Pois… enganei-me.
Nesta nova história, voltamos a encontrar o protagonista, criança, rodeado dos amigos da rua em aventuras que não ultrapassam o bairro de Luanda. Mas este bairro é o espelho do País. Lá estão, novamente, os russos, desta vez “formigas azuis” da farda que envergam e dá azo a galhofas várias. Como o próprio linguarejar, nem russo nem angolano, menos português. Também a influência cubana patente no meio louco EspuMaDoMar: “-Vocês falam estrelas cadentes, mas eu conheço os dicionários todos da língua angolana e da cubana. Estrelas calientes são fenómenos do céu do universo escuro, a poeira cósmica e etcetera… Seus patetas que nunca andaram nas escolas universitárias!” (pág.12).
O centro do romance é-nos revelado logo no início (pág. 11): “[…] as gigantescas obras do Mausoléu, um lugar que andavam a construir para guardar o corpo do camarada presidente AgostinhoNeto, que andava estes anos todos bem embalsamado por uns soviéticos craques nesta arte de manter uma pessoa ainda com bom aspecto de se olhar”.
Apesar do ambiente de classe urbana remediada, há notas humoradas das carências da população. E a política, embora subtilmente, está sempre presente: “- Achas que o JornalDeAngola anda mesmo a pôr notícias de mentira? Seu burro, tudo o que sai no JornalDeAngola são verdades que o camarada presidente é que autoriza a saírem lá” (pág. 107).
AvóDezanove e o segredo do soviético é mais do que uma boa história. Pela leitura aprendemos mais o povo, a cultura genuína. Terá sido essa uma das fontes a que o autor foi beber para nos dar esta prosa com laivos de poesia.
Ondjaki amadurece de livro para livro. Neste, já consegue transmitir-nos os cheiros: “Lá estava o VelhoPescador sentado perto da canoa BarcoÍris. As mãos antigas dele desfaziam, com toda a paciência do mundo, os nós bem difíceis que as redes tinham.
Ali cheirava a mar, mas não esse cheiro aberto e fresco como se fosse das escamas dos peixes. Era um cheiro mais de outros dias, outros anos, como mistura de água salgada com o alcatrão do fundo da canoa dele”
(pág. 19).
Que nos trará a seguir Ondjaki?

Saiba AQUI mais sobre o autor.

2 comments:

Pedro said...

Já li "Os da Minha Rua" e adorei. Estou mesmo interessado em ler todas as obras de Ondjaki, pois acho a sua escrita simples e tão bela.

Time Traveller said...

Cheguei aqui há pouco através de uma pesquisa sobre Philippe Claudel e... devorei o seu blog!

Gosto muito de ler. E gosto muito de ler pequenas críticas bem escritas.

Voltarei :)