Monday, November 7, 2011

Jesus o bom e Cristo o patife









Jesus o bom e Cristo o patife
Philip Pullman, Teorema, Outubro de 2011

Há alguns anos atrás, quando trabalhava noutro local, um cliente entregou-me o original de um livro que tinha escrito. Recebi-o de manhã. À hora do almoço levei-o para casa e li-o de seguida. Fiz a proposta de edição à administração e o romance acabou por ser editado já depois da minha saída da empresa.

Era uma obra interessante, muito bem-humorada, sobejamente anotada, baseada numa leitura da Bíblia, mas que colocava Judas numa posição diferente em relação a Jesus. Não interessa pormenorizar já que não é dele que falamos hoje.

Tive sempre presente este livrinho de um autor desconhecido ao fazer a leitura do novo romance do premiado Philip Pullman, Jesus o bom e Cristo o patife.

Nele, o autor inglês divide Jesus Cristo ao meio, isto é, existe um Jesus e existe um Cristo, sendo eles irmãos gémeos. Cada um segue o seu caminho, embora um na sombra do outro e um deles acaba por morrer, de facto, como reza a história. É o outro que, devido à sua parecença, surge como o ressuscitado.

Mas, para chegar aí, o Autor parece pretender dar uma ideia da forma interesseira como tem início a Igreja como instituição.

Depois de Jesus andar a pregar a chegada do Reino, e este nunca mais chega, um anjo vai segredando recados a Cristo, que funciona como espião e informador:

“A igreja não será o Reino, porque o Reino não é deste mundo; mas será uma prefiguração do Reino e a maneira segura de o alcançar” (p. 137).

Se, nesta espécie de fábula, o Autor questiona a formação da Igreja, o Autor, no entanto, nunca põe em causa Jesus.

Com uma forma discursiva simples e seguindo larga mas rigorosamente o fio da história na Bíblia, Jesus o bom e Cristo o patife é como que um catecismo pouco ortodoxo e bem-humorado.

O que é colocado em questão – a Igreja – vai-se apercebendo na leitura.

Diz o anjo que “a verdade não é a história e vem de fora do tempo e penetra as trevas como uma luz. Esta é essa verdade. É uma verdade que tornará tudo verdade. É uma luz que iluminará o mundo” (p. 139).

E os homens e as mulheres deste mundo, influenciáveis como sempre foram, têm, ainda a partir do discurso o anjo, uma caracterização que se prolonga no tempo:

“As pessoas são capazes de grandes coisas, mas só quando as circunstâncias as concitam. Não conseguem viver todo o tempo a esse nível, e na maior parte dos casos as circunstâncias não são grandiosas. Na vida diária, as pessoas sentem-se tentadas pelo conforto e pela paz; são um pouco preguiçosas; um pouco gananciosas, um pouco cobardes, um pouco libidinosas, um pouco vaidosas, um pouco irritáveis, um pouco invejosas. Não são grande coisa, mas temos de as aceitar como são. Entre outras coisas, são crédulas; por isso gostam de mistérios e adoram milagres” (p. 175).

Um livro sério, com humor.

Sines, 7 de Novembro de 2011
Joaquim Gonçalves

No comments: