Monday, May 28, 2012

A despedida de José Alemparte


A despedida de José Alemparte
Paulo Bandeira Faria, Teorema, Março 2012

Despedi-me de José Alemparte sem que ele se tivesse ido embora.

Paulo Bandeira Faria, que já me havia surpreendido com “As sete estradinhas de Catete”, um romance de Africas, como o título deixa antever.

Com este novo livro o Autor transporta-nos para uma Galiza quase Portugal; memórias da Guerra Civil espanhola e, também, memórias do próprio presente.

Um romance em que os sentimentos, dentro das suas especificidades se misturam e as línguas se confundem sem se atrapalharem. Na realidade e como metáfora. A páginas 292, fica transparente:

“Há duas na Galiza: a original e o castelhano. Ambas são nossas. Portanto, sirvam-se de qual se sirvam, deixem-se de politiquices e comuniquem apenas. Já é mais do que suficiente para manter viva uma língua: transmitindo a verdade dos afectos mais do que as razões. Qualquer língua que se use para perpetuar ensinamentos, resolver problemas e dizer coisas ternas estará sempre viva. Em vez de dividir, as línguas unem, só há que expressar nelas o que de melhor há em nós. Escolher entre elas as melhores palavras, em suma. De qual nos servimos quase me parece secundário, pois a verdade está em nós, e quem a expresse não dá vida a uma língua, dá verdade a si próprio.”

São três os narradores de “A despedida de José Alemparte”: O próprio, galego, septuagenário que descobre que tem a doença de Alzheimer e, a partir daí, quer arrumar contas com a vida; Emma, cansada do marido e que se refugia num “chat” que lhe vai trazer surpresas, e Alex, criança sem papas na língua, com o seu computador novinho, oferecido pelo avô, que o utiliza para escrever o seu trágico-cómico diário.

Ensinado pela vida, Alex descobre que os super-heróis existem fora da fantasia:

“Os super-heróis não são aqueles tontos que estão na televisão a dizer que vão salvar o mundo. São os que temos em casa e andam sempre a lutar para que as coisas melhorem. E vejo que é tão difícil a vida dos pais que já nem quero ser grande depressa, é mais fácil ser filho” (p. 304).

Em “A vida de José Alemparte” os personagens descobrem, com as dificuldades e a desilusão, os segredos da vida. Nunca é tarde.

“Havia quem tivesse inveja da felicidade de um casal, já se sabe, há gente para tudo, e mandaram-lhe todos os males. O primeiro foi o ciúme, mas o casal sobreviveu a isso. Depois foi o egoísmo, mas o casal também o superou. Vieram outros males, quer o casal ultrapassava sempre, fortalecendo-se. Por fim, enviaram uma figura misteriosa, que chegou de noite, com o rosto escondido pela sombra de um grande chapéu. Quando partiu, o casal separou-se. Pergunto: Qual era esse mal que por fim destruiu o casal?
Não souberam responder.
Pois: a rotina” (p. 278).

Para além do lúdico que o livro nos oferece, são, no entanto, três os grandes temas que o atravessam: a Guerra Civil, o terrorismo na época de transição para a democracia e as dificuldades da actual crise.

Mas tudo isto subentendido, sem a carga aborrecida das descrições históricas.

Despedi-me de José Alemparte sem que ele se tivesse ido embora porque, como refere uma das personagens, quase a terminar: “Nunca se deve dizer tudo” (p. 307).

Sines, 28 de Maio de 2012
Joaquim Gonçalves

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