Almeida Faria
Assírio e Alvim, 12ª edição-revista: Janeiro 2013 [1ª edição 1965]
Alegria, consolo, contentamento, delícia, gozo, passatempo,
prazer, regalo, sensualidade, volúpia, são apenas alguns dos sinónimos
assinalados no respectivo dicionário para a palavra deleite.
Então, sentindo-me impotente para, por palavras, transmitir
os sentidos, acolho nesta o sentimento de transcendência provocado pela leitura
do segundo romance de Almeida Faria.
É tal a subtileza da sua escrita que até à própria PIDE
passou praticamente despercebida a natureza revolucionária da narrativa.
Não se julgue, por isso, que é um livro panfletário. Longe,
muito longe disso. Porque comungo da mesma opinião, não me resguardo de
reproduzir parte da citação de Raduan Nassar na contracapa: “Ao ler A Paixão de Almeida Faria […], entrei em
imediata comunhão com essa obra-prima […]”, classificando-o justamente de poema
em prosa. E, também, da revista americana Books
Abroad: “O seu segundo romance, A
Paixão, possui as mesmas qualidades literalmente espantosas de Rumor Branco, sendo ao mesmo tempo mais
despojado e mais apaixonado; desta vez a severidade é implacável, e a
composição aposta numa disciplina exemplar”.
Com uma soberba caracterização de personagens, ao longo de
mais de duzentas páginas, assistimos a uma exposição sociológica e
antropológica sobejamente poética com todos os condimentos que possamos
imaginar: da religião ao fervilhar político; a vida do trabalhador do campo e a
do fazendeiro; a família; a rotura geracional (“[…] se assim é, eu saio, não se discute mais” (p. 192)); a
emigração. E a mulher. Seja a mulher do campo ou a do lupanar, ela aí está
presente “tendo nas mãos os elementos, o
mundo inteiro que ela merece, ela e a sua classe, passo primeiro e necessário
para a vida dos outros, vida não alienada, não nos limites do estômago, nos
quais afinal acabou por cair, depois dessa viagem sabotada que se chamou
revolução francesa e que os poderosos se encarregaram de estragar, sendo hoje
necessária revolução mais radical, capaz de acabar com essa exploração
desembestada que a besta burguesa burocrática inventa sempre com mais subtis
máscaras” (p. 183).
Uma nota final para a capa lindíssima: A Paixão, desenho de Mário Botas.
Leiam. Leiam! Literatura como esta é imortal. Sou demasiado
pequeno para escrever sobre ela.
Sines, 25 de Janeiro de 2013
Joaquim Gonçalves
(A leitura e escrita sobre
este livro são da responsabilidade do autor e foram feitos sem o apoio da Editora)
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