Estro in Watts. Poesia da idade do rock
João de
Menezes-Ferreira, Documenta, Novembro 2012
Sabíamos lá o que é que cantávamos? As músicas estavam no
top, entravam pelos ouvidos e pelos corações adentro e tentávamos reproduzir as
letras com os sons que nos pareciam harmónicos.
Por vezes, lá entendíamos um I love you ou um love me,
talvez um I feel love ou Let’s spend the night together. Já
percebíamos melhor um revolucionário “I
don’t need no education”. Excepções liguísticas que fugiam ao programa
escolar do “the pencil is on the table”
ou “My name is Joaquim, What’s your
name?”.
Estávamos na crista da onda porque levávamos aos bailaricos
e às matinés aquilo que a malta ouvia na solidão da telefonia e ansiava para
momentos em que a companhia desejada estivesse por perto, pelo mais perto
possível, joelho com joelho, mão na mão, mão no pescoço, os lábios, por vezes,
a roçar a orelha meio tapada pelo cabelo cúmplice a esconder o gesto aos paus
de cabeleira, mães, tias ou vizinhas, sentadas na correnteza de cadeiras
encostadas à parede da sala da colectividade.
Fingíamos saber o que dizíamos em idiomas longínquos da
nossa cultura obrigatória. Claro que tirávamos umas pelas outras mas, a pressa
de tocar o que estava a dar, deixava para trás a inteligibilidade do resto.
“Hello darkness my old
friend” - começava assim uma das primeiras músicas que toquei – The sound of silence de Simon &
Garfunkel. Uma melodia linda, repetida à exaustão. Só agora, através do livro
“Estro in Watts. Poesia da idade do rock”, uma antologia com tradução,
introdução e notas de João de Menezes-Ferreira, me apercebi desta parte da
letra:
“E as gentes curvadas
puseram-se a rezar
Era ao Deus Néon que
prestavam vassalagem
E o anúncio dardejou a
sua mensagem
Através de palavras
que estava a formar
E o anúncio dizia “As
palavras dos profetas
São escritas nos
subterrâneos e nas paredes
E sussurrava no som do
silêncio”.
E, como esta, muitas outras, agora em versão original e
respectiva tradução nesta obra monumental da Documenta, com mais de 800 páginas,
que aborda músicas desde 1955 a 1980, numa selecção obrigatoriamente pessoal do
autor.
Aquilo que, nalguns casos, poderá parecer uma má tradução,
não deixa de ser o deixar ao leitor a noção da dificuldade de, neste tipo de
poesia, adaptar a diversidade linguística, fazer coincidir palavras e
expressões que se querem o mais populares possível. Mas, para isso, lá está a
versão original para que cada um interprete conforme a sua sensibilidade ou
conhecimento.
Terminemos com um dos gritos do louco, inconformado mas
perfeccionista Frank Zappa no seu “Hungry
fraks, daddy”, na sua assustadora actualidade:
“Eles não se entregarão, nunca mais
À grande loja das máquinas ocidentais
À filosofia que se está a afastar
Dos que não têm medo de contar
O que pela cabeça lhes passa
Os deserdados
Da grande sociedade
Freaks esfomeados, papá”.
Hoje, já não toco. Ouço a música durante o trabalho e, por
vezes, já nas calmarias, tento entender as letras. Outros tempos, outros
ventos.
“Estro in Watts. Poesia da idade do rock” acompanha-me,
agora, para tentar entender o que vivi sem saber.
Sines, 13 de Fevereiro de
2013
Joaquim Gonçalves
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