Debaixo de algum céu
Nuno Camarneiro,
Leya, 2013
“Só as paredes nos
deixam ser ainda o que às vezes queremos” (p.43).
E é disso que, em grande parte trata o livro vencedor do
Prémio Leya 2013. Os habitantes de um prédio, junto à praia, numa pequena localidade,
falam na primeira pessoa, para elas próprias. E o que dizemos quando falamos
com os nossos botões? O mais verdadeiro do que nos vai na alma.
Pelo meio, a voz do narrador, faz-nos a ligação entre os personagens.
No curto espaço de uma semana, entre o dia de Natal e o dia
de Ano Novo, são vidas inteiras que desfilam: a perdição de um padre, a
conversão de um bruxo, o suicídio de uma viúva, a paixão de dois velhos, a
perda de virgindade de uma jovem e tudo o mais que menos de duzentas páginas
nos contam. Mas nada é tão linear como acabei de referir. Por isso existe a
prosa romanesca que nos prepara para o desfecho, neste caso, para os vários
desfechos, alguns inesperados.
Nuno Camarneiro, de quem já tínhamos lido o belíssimo No meu peito não cabem pássaros,
delicia-nos, novamente, com uma narrativa que, embora poética, não descura as
agruras. A poesia é mel e é fel.
A composição dos personagens e, também, dos cenários,
poderia ser remetido para o campo das artes visuais, mesmo que numa pintura do
pequeno Frederico:
“O céu apaga-se em
vermelho e as nuvens brilham de um sol sem fim. As aves voam rente à água e
procuram lugares de sombra onde possam poisar e encostar os bicos ao peito para
dormir.
Frederico vê isso tudo
da janela e rabisca numa folha ideias de desenho. Um pirata que é ele, de
espada na mão e um barco cheio de velas e mar às ondas. Vai ser assim o desenho
de Frederico. Tem os lápis escolhidos, azul, vermelho, amarelo para o sol. Olha
para fora porque quer desenhar as ondas como são, algumas tubinhos brancos
enrolados à volta de nada, outras paredes de azuis, outras só desordem de não
entender nada” (p. 162).
Poderia ter aqui reproduzido inúmeros outros excertos do
livro, mais interessantes, até, para a história. A profusão de solicitações é
tanta que escolhi quase ao acaso.
Debaixo de algum céu é um retrato dos funâmbulos que somos
na corda da vida. Trabalho invejável.
Não resisto a uma última citação:
“É engraçado o Sol,
indo e vindo como um tio que faz negócios. Às vezes uma visita, outros dias
ocupado noutros lugares com outra gente. Aprende-se a recebê-lo com alegria
porque veste o tempo e traz cores à casa, É o tio, lembras-te do tio? O Sol é
doido e é assim, como um tio de quem se gosta” (p. 73).
Sines, 11 de Abril de 20123
Joaquim Gonçalves
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