Thursday, April 11, 2013

Debaixo de algum céu




Debaixo de algum céu
Nuno Camarneiro, Leya, 2013

“Só as paredes nos deixam ser ainda o que às vezes queremos” (p.43).

E é disso que, em grande parte trata o livro vencedor do Prémio Leya 2013. Os habitantes de um prédio, junto à praia, numa pequena localidade, falam na primeira pessoa, para elas próprias. E o que dizemos quando falamos com os nossos botões? O mais verdadeiro do que nos vai na alma.

Pelo meio, a voz do narrador, faz-nos a ligação entre os  personagens.

No curto espaço de uma semana, entre o dia de Natal e o dia de Ano Novo, são vidas inteiras que desfilam: a perdição de um padre, a conversão de um bruxo, o suicídio de uma viúva, a paixão de dois velhos, a perda de virgindade de uma jovem e tudo o mais que menos de duzentas páginas nos contam. Mas nada é tão linear como acabei de referir. Por isso existe a prosa romanesca que nos prepara para o desfecho, neste caso, para os vários desfechos, alguns inesperados.

Nuno Camarneiro, de quem já tínhamos lido o belíssimo No meu peito não cabem pássaros, delicia-nos, novamente, com uma narrativa que, embora poética, não descura as agruras. A poesia é mel e é fel.

A composição dos personagens e, também, dos cenários, poderia ser remetido para o campo das artes visuais, mesmo que numa pintura do pequeno Frederico:

“O céu apaga-se em vermelho e as nuvens brilham de um sol sem fim. As aves voam rente à água e procuram lugares de sombra onde possam poisar e encostar os bicos ao peito para dormir.
Frederico vê isso tudo da janela e rabisca numa folha ideias de desenho. Um pirata que é ele, de espada na mão e um barco cheio de velas e mar às ondas. Vai ser assim o desenho de Frederico. Tem os lápis escolhidos, azul, vermelho, amarelo para o sol. Olha para fora porque quer desenhar as ondas como são, algumas tubinhos brancos enrolados à volta de nada, outras paredes de azuis, outras só desordem de não entender nada” (p. 162).

Poderia ter aqui reproduzido inúmeros outros excertos do livro, mais interessantes, até, para a história. A profusão de solicitações é tanta que escolhi quase ao acaso.

Debaixo de algum céu é um retrato dos funâmbulos que somos na corda da vida. Trabalho invejável.

Não resisto a uma última citação:

“É engraçado o Sol, indo e vindo como um tio que faz negócios. Às vezes uma visita, outros dias ocupado noutros lugares com outra gente. Aprende-se a recebê-lo com alegria porque veste o tempo e traz cores à casa, É o tio, lembras-te do tio? O Sol é doido e é assim, como um tio de quem se gosta” (p. 73).

Sines, 11 de Abril de 20123
Joaquim Gonçalves

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