Saturday, May 25, 2013

Madrugada Suja




Madrugada suja
Miguel Sousa Tavares, Clube do Autor, Maio 2013

Há autores com seguidores. Independentemente da sua qualidade literária, o certo é que agradam a algumas pessoas que, quase sempre anualmente, esperam pelo seu novo livro. E, quando passados cerca de 365 dias isso não acontece, perguntam ao livreiro: - Então, ainda não saiu nada de fulano?

É o caso de Miguel Sousa Tavares que, depois de Equador e Rio das Flores, publicados com um intervalo regular, nada publicou em vários anos senão Anos Perdidos, pequeno e despercebido para quem estava já habituado a grandes volumes.

No meio-termo, surge, agora, Madrugada Suja. Um romance que, começando com um crime e acabando com uma Procuradora do Ministério Público, não é um policial.

Sousa Tavares decanta, agora em romance, alguns ódios de estimação ou, de forma mais leve, alguns dos seus cavalos de batalha enquanto jornalista: O poder autárquico, o pato-bravismo, a ascensão meteórica na política, por exemplo.

Apesar de, a dada altura nos remeter para o PREC e para o Verão quente de 1975, este é um romance absolutamente actual, que percorre os últimos trinta anos da história portuguesa, como se constata na página 232: “Um Portugal de aldeias mortas, de comerciantes falidos, de agricultores sentados à berma das estradas construídas com os dinheiros da Europa, vendo passar os grandes camiões TIR que traziam de Espanha e dessa Europa as frutas e os legumes criados em estufas maiores do que quaisquer hortas deles, em direcção aos centros comerciais onde, em breve, eles próprios aprenderiam o novo e insípido sabor dos melões e das cebolas, dos reinventados “frangos do campo”, ou dos porcos sem gordura nem pecado, embalados em vácuo. E onde se resignavam a passear aos domingos, com filhos e noras e netos, tentando não se perder no meio dessa turba deslizante, entre montras e restaurantes e néons, num dédalo baptizado com nomes de avenidas e ruas, nomes de países ou heróis da Pátria, como se assim os velhos cuja aldeia era agora um centro comercial dos subúrbios não dessem pela diferença ou até, dando por ela, a apreciassem. Ou tudo se tivesse tornado tão longínquo que já não fazia diferença”.

Sendo, de forma romanesca, uma síntese da corrupção em Portugal, o livro não deixa de ter os seus momentos de amor e sexo, penitenciando-se, de certa forma, dos excessos, à página 336, o personagem principal: “Nós, homens, somos animais: animais sempre com cio, por vezes, raramente, acompanhado de alguns sentimentos. Entre nós e a nossa natureza, entre nós e a desgraça, estão apenas as circunstâncias. Nada mais nos trava, nada mais pode evitar a desgraça: só as circunstâncias e a sorte”.

Madrugada suja é um livro envolvente. Tem romance, tem história, tem crítica social e política. Tem, de forma romanceada, uma demonstração de como é feita a corrupção no nosso país. É um livro e, como é referido na página 238, “Alguém dissera um dia que se podia viver sem tudo, menos água e comida, mas que viver sem livros e sem música não seria o mesmo que viver”.

Proponho, então, a leitura do mais recente romance de Miguel Sousa Tavares, Madrugada suja.

Sines, 25 de Maio de 2012
Joaquim Gonçalves

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