Madrugada suja
Miguel Sousa Tavares,
Clube do Autor, Maio 2013
Há autores com seguidores. Independentemente da sua
qualidade literária, o certo é que agradam a algumas pessoas que, quase sempre
anualmente, esperam pelo seu novo livro. E, quando passados cerca de 365 dias
isso não acontece, perguntam ao livreiro: - Então, ainda não saiu nada de
fulano?
É o caso de Miguel Sousa Tavares que, depois de Equador e Rio das Flores, publicados com um intervalo regular, nada publicou
em vários anos senão Anos Perdidos,
pequeno e despercebido para quem estava já habituado a grandes volumes.
No meio-termo, surge, agora, Madrugada Suja. Um romance que,
começando com um crime e acabando com uma Procuradora do Ministério Público,
não é um policial.
Sousa Tavares decanta, agora em romance, alguns ódios de
estimação ou, de forma mais leve, alguns dos seus cavalos de batalha enquanto
jornalista: O poder autárquico, o pato-bravismo,
a ascensão meteórica na política, por exemplo.
Apesar de, a dada altura nos remeter para o PREC e para o
Verão quente de 1975, este é um romance absolutamente actual, que percorre os
últimos trinta anos da história portuguesa, como se constata na página 232: “Um Portugal de aldeias mortas, de
comerciantes falidos, de agricultores sentados à berma das estradas construídas
com os dinheiros da Europa, vendo passar os grandes camiões TIR que traziam de
Espanha e dessa Europa as frutas e os legumes criados em estufas maiores do que
quaisquer hortas deles, em direcção aos centros comerciais onde, em breve, eles
próprios aprenderiam o novo e insípido sabor dos melões e das cebolas, dos
reinventados “frangos do campo”, ou dos porcos sem gordura nem pecado,
embalados em vácuo. E onde se resignavam a passear aos domingos, com filhos e
noras e netos, tentando não se perder no meio dessa turba deslizante, entre
montras e restaurantes e néons, num dédalo baptizado com nomes de avenidas e
ruas, nomes de países ou heróis da Pátria, como se assim os velhos cuja aldeia
era agora um centro comercial dos subúrbios não dessem pela diferença ou até,
dando por ela, a apreciassem. Ou tudo se tivesse tornado tão longínquo que já
não fazia diferença”.
Sendo, de forma romanesca, uma síntese da corrupção em
Portugal, o livro não deixa de ter os seus momentos de amor e sexo,
penitenciando-se, de certa forma, dos excessos, à página 336, o personagem
principal: “Nós, homens, somos animais: animais sempre com cio, por vezes,
raramente, acompanhado de alguns sentimentos. Entre nós e a nossa natureza,
entre nós e a desgraça, estão apenas as circunstâncias. Nada mais nos trava,
nada mais pode evitar a desgraça: só as circunstâncias e a sorte”.
Madrugada suja é
um livro envolvente. Tem romance, tem história, tem crítica social e política.
Tem, de forma romanceada, uma demonstração de como é feita a corrupção no nosso
país. É um livro e, como é referido na página 238, “Alguém dissera um dia que se podia viver sem tudo, menos água e
comida, mas que viver sem livros e sem música não seria o mesmo que viver”.
Proponho, então, a leitura do mais recente romance de Miguel
Sousa Tavares, Madrugada suja.
Sines, 25 de Maio de 2012
Joaquim Gonçalves
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