Cemitério de Pianos, José Luís Peixoto, Bertrand, 2006
O lançamento de um novo livro de José Luís Peixoto (JLP) é, para mim, sempre, motivo de expectativa. Com este pressuposto, não será de estranhar o meu grau de exigência.
A esse propósito, aproveito para enunciar a ordem da minhas preferências deste autor ficando, assim, explícita a primeira opinião sobre o novo romance: 1 - Nenhum Olhar; 2 - Morreste-me; 3 - Cemitério de Pianos; 4 - A Casa, A Escuridão; 5 - Uma Casa na Escuridão; 5 - Antídoto.
Cemitério de Pianos (CdP) envolve-nos, mais uma vez, em ambientes (quase) oníricos onde, por vezes, só depois de algumas linhas nos apercebemos de que estamos a ler fantasia. Leva-nos a isso, também, a eventual confusão entre personagens homónimos, pai e filho ainda por cima, em tempos diferentes. A determinada altura, um deles, o pai, fala já depois de morto. O que, passada a confusão, traz valor acrescentado à narrativa. Mas a confusão pode ser apenas minha, dada a ansiedade de comer linhas para ir mais à frente.
A morte. Sempre presente em toda a obra de JLP, a morte acompanha-nos deste o primeiro parágrafo: "Quando comecei a ficar doente, soube logo que ia morrer". Neste livro, no entanto, a morte cruza-se com a vida. A vida sucede à morte como acontece o contrário. E é a vida, a força de e para viver, apesar de todas as contrariedades, a violência - que existe na família, os amores cruzados, a revolta - Simão, que parece ausente durante grande parte da história, é um personagem fortíssimo acabando, portanto, por estar sempre presente.
A escrita de JLP está mais difícil neste livro. É necessária mais concentração ainda para entender as voltas e os saltos que o autor vai dando à narrativa. Irritei-me, uma ou outra vez, com a mudança de estilo a meio da narrativa para, logo após os trechos em questão, dar o braço a torcer. É que essas mudanças proporcionam como que um movimento na escrita. Fazem-nos sentir a situação. Cortam a respiração ou fazem-nos arfar. Fazem-nos correr. Por falar em correr, o pretexto do atleta Francisco Lázaro é soberbamente apanhado e, como se vê, dele não falei como atleta ou do seu trágico desfecho, já que considero que não é disso que o livro trata. Resumindo, para mim, Cemitério de Pianos acaba por ser um romance de amor sintetizado no poema entrecortado por texto nas págs. 141-142:
"na hora de pôr a mesa éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
[...]
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois a minha irmã mais nova
[...]
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
[...]
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
[...]
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva, cada um
[...]
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho, mas irão estar sempre aqui
[...]
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.
Nota final: Cemitério de Pianos é para ler e digerir. Se for preciso, voltar atrás. Só depois formar opinião.
Hello world!
1 year ago
8 comments:
Um blog sobre livros. Amei! Por isso, Obrigada!
Estou a ler este livro e o meu último post foi um apelo a alguém que já o tivesse lido. Fiquei feliz por saber que não era a única a perder-me e voltar atrás, irritar-me e voltar atrás....
Mas até agora estou a gostar. Como não conhecia o autor, tem sido uma boa surpresa.
boas leituras
Acabei de ler essa obra-prima.
Muitos falam em dois narradores (pai e filho). São três, na verdade. As duas fotos, que se repetem, são a prova disso.
tb acabei de ler o cemitério, melhor dizendo, acabei-o há uns dias. o meu último foi o 'apocalipse dos trabalhadores', do valter hugo mãe.
acho parecenças nos 2 escritores, influências comuns..
qto ao 'cemitério de pianos',tb tive de voltar atrás, acabei por fazer uma árvore genealógica para ñ baralhar narradores e personagens, e achei um tt abusiva esta quase colagem ao 'rayuela', do julio cortázar, prefaciado precisamente por jlp.
no entanto, a fluidez, a poesia da escrita, a humanidade dos personagens, acabaram por torná-lo num livro q ñ conseguia parar de ler, apesar das 'baralhações'.
ainda assim, tb prefiro o 'nenhum olhar'- triste, triste, e belíssimo..
fiquei foi fã incondicional deste blog. obrigada!
ana lima
Estou agora a ler o Cemitério de Piano e vou a meio. Estou a gostar bastante, mas por vezes canso-me por ter de voltar atrás. Um livro que aconcelho a todos é : Arranca Corações de Boris Vian
Li "Cemitério de Pianos" há algum tempo. Adorei!Costumo dizer que José Luis Peixoto escreve como quem escreve poesia.
Gostei do blog.
Ando a ler "Cemitério de Pianos".Estou a adorar tal como adorei "Nenhum Olhar", "Uma Casa na Escuridão", "Morreste-me". Lê-se e relê-se. Profunda a sua escrita.Sou fã dos livros de José Luís Peixoto desde que li o primeiro. E sempre a aguardar pelo próximo.
Gostei muito deste blog. Estou a ler o Cemitério de Pianos e estou de facto a adorar. No entanto, o facto de ter de voltar a trás tantas vezes torna-se um pouco frustrante, mesmo assim, vale a pena.
Tal como "myr" achei que existiam 3 narradores diferentes, até pesquisar outras opiniões, será que me pode explicar "quem" é o 3º?
Estou neste momento a ler o Cemitério de Pianos e de facto fiquei confuso no início o que me fez ter de voltar atrás várias vezes. Neste momento da leitura (ainda não acabei)também sou da opinião que existem 3 narradores diferentes: o avô que morre doente no hospital no dia que seu neto Hermes nasce (filho de uma das suas filhas), o seu filho Francisco que corre a maratona em Estocolmo e por fim o filho deste que só conhece, já adulto e prestes a ser pai, a entidade do pai após encontrar uma caixa com as medalhas ganhas pelo seu pai (que curiosamente morre a meio da prova da maratona, em Estocolmo, no dia do nascimento deste).
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