Thursday, March 20, 2008

Comboio nocturno para Lisboa

Comboio nocturno para Lisboa
Pascal Mercier
D. Quixote, Março 2008, 22,00€

“Não quero viver num mundo sem catedrais. Preciso do brilho dos seus vitrais, do seu fresco recato, do seu silêncio imperioso. Preciso das marés sonoras do órgão e do sagrado ritual das pessoas em oração. Preciso da santidade das palavras, da elevação da grande poesia. De tudo isso preciso. Mas não menos necessito da liberdade e do combate contra tudo o que é cruel. Porque uma coisa não é nada sem a outra. E que ninguém me obrigue a escolher” (p. 174).

Raimund Gregorius é um conceituado e rigoroso professor de Latim e Grego numa universidade de Berna. Numa manhã chuvosa, quando ia para as aulas depara-se com uma mulher prestes a saltar de uma ponte. Convence-a a que não o faça. Depois, a mulher desaparece e apenas sabe que ela é portuguesa. À tarde, por acaso, encontra numa livraria um livro de um autor português, Amadeu de Prado, que foi médico e resistente durante o salazarismo.
Gregorius, ou Mundus, como é conhecido na Universidade, começa a aprender português, deixa tudo para trás e apanha um comboio para Lisboa. Isto é apenas o início de uma história que para além de Lisboa e Berna, passa por Coimbra e Salamanca, não esquecendo o Cabo Finisterra.

“Começava já a amanhecer quando deslizou para dentro do sono e sonhou com o fim do mundo. Foi um sonho melodioso sem instrumentos nem sons, um sonho feito da substância do sol, do vento e das palavras. Os pescadores com as suas mãos rudes gritavam coisas rudes uns aos outros, o vento salgado fustigava e dispersava as palavras, incluindo aquela de que se esquecera. Viu-se a mergulhar a pique na água, nadando com todas as suas forças para o fundo, sempre para o fundo, e sentiu o prazer e o calor nos músculos, como eles se contraíam com o frio. Tinha de deixar o cargueiro das bananas, tinha pressa, assegurou aos pescadores que isso não tinha nada a ver com eles, mas eles defenderam-se e olharam-no com estranheza quando ele desembarcou com o seu saco de marinheiro, acompanhado pelo sol, pelo vento e pelas palavras” (p. 393).

Pascal Mercier, pseudónimo literário do suíço que vive em Berlim, Peter Bieri, professor de Filosofia, dá-nos em “Comboio nocturno para Lisboa” a imagem de uma Lisboa de há tão pouco tempo que ainda nos lembramos dela. Mas também pinceladas da ditadura e respectiva resistência. As ruas de Alfama e do Bairro Alto…
As pessoas sempre presentes. E as palavras que podem mudar vidas.

“O facto de as palavras desencadearem algo nos outros, de poderem pôr alguém em movimento ou de travar esse impulso, de fazerem com que uma pessoa pudesse rir ou chorar, sempre lhe parecera estranho. Desde criança. E no fundo isso nunca deixara de o impressionar. Como é que elas conseguiam isso? Não era como a magia?” (p. 53).

Tal como nesta breve crónica, entrecortada por citações, ao lermos “Comboio nocturno para Lisboa” deparamo-nos com uma leitura paralela – a dos escritos de Amadeu de Prada. E, aqui, dá mesmo para pensar…

Desde “A Sombra do Vento” que não lia um livro deste fôlego!

3 comments:

Pedro said...

Parece ser muito bom, depois da tua comparação com "A Somvra do Vento".

Parabéns pelo blog!

Livros em 2ª Mão said...

Bem.. só conhecia o livro por ter visto a capa na livraria, mas nem me dei ao trabalho de ler a sinopse. Mas depois de ler o teu post, fiquei com vontade de ler o livro e, depois da comparação com "A Sombra do Vento", ainda aumentou mais. Mais um para a lista dos livros a adquirir. ;)

SEVE said...

Li os dois mas, para mim, não têem a mínima comparação "A SOMBRA DO VENTO" chega-se ao fim e ficamos a olhar para o livro, porque queríamos mais, enquanto que "COMBOIO NOCTURNO PARA LISBOA" nem ao fim consegui chegar (e bem me esforcei).......