A confissão da leoa
Mia Couto,
Caminho, Março 2012
“Aqui não há polícia,
não há governo, e mesmo Deus só às vezes”.
Mia Couto Não deixa de nos surpreender. Mia Couto já não nos
surpreende.
Ambas as afirmações podem estar correctas. O autor
moçambicano não nos deixa de surpreender pela sua versatilidade. Da poesia ao
romance, passando pelos contos e pelas crónicas e ainda o livro infantil, não
sei o que lhe falta. É que nem sequer o ensaio falha!
Mia Couto já não nos surpreende porque cada obra sua que é
publicada lê-se de seguida. Não permite intervalos. Tira-nos o fôlego. E não
cansa. Ele, sim, parece ter-se cansado de inventar palavras, como nas suas
primeiras obras, que obrigava a um glossário final em cada livro.
No seu mais recente romance, A confissão da leoa, transporta-nos para uma África profunda cheia
de enigmas mas, também, de certezas.
Embora não repudie, não considero, no entanto, apropriado o
rótulo do realismo mágico sul-americano. O que Mia Couto faz é aproveitar a
tradição, a superstição, e decifrá-la para nós.
Para além disso e, talvez, sobretudo, A confissão da leoa é um manifesto sobre a condição da mulher
moçambicana como eu não lia desde o Niketche
de Paulina Chiziane.
“Foi a vida que a
desumanizou. Tanto a trataram como um bicho que você se pensou um animal”.
No caso deste romance, em que a metáfora é rainha, o biólogo
escritor parte duma experiência profissional pessoal para o encanto das letras
que junta, torce, trabalha, trucida, compondo mais um monumento literário para
nosso deleite. Mas não só. Para nosso espanto, também.
Sobre o livro, diz Mia Couto: “[...] Os nossos jovens
colegas trabalhavam no mato, dormindo em tendas de campanha e circulando a pé
entre as aldeias. Eles constituíam um alvo fácil para os felinos. Era urgente
enviar caçadores que os protegessem. Os caçadores passaram por dois meses de
frustração e terror, acudindo a diários pedidos de socorro até conseguirem
matar os leões assassinos. Mas não foram apenas essas dificuldades que
enfrentaram. De forma permanente lhes era sugerido que os verdadeiros culpados
eram habitantes do mundo invisível, onde a espingarda e a bala perdem toda a
eficácia. Aos poucos, os caçadores entenderam que os mistérios que enfrentavam
eram apenas os sintomas de conflitos sociais que superavam largamente a sua
capacidade de resposta. Vivi esta situação muito de perto. Frequentes visitas
que fiz ao local onde decorria este drama sugeriram-me a história que aqui
relato, inspirada em factos e personagens reais.”
Joaquim Gonçalves
Sines,
11 de Maio de 2012
1 comment:
Tá na minha estante à espera de vez...
; )
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