Wednesday, September 25, 2013

Ana de Londres



Ana de Londres
Cristina Carvalho, Parsifal, Setembro de 2013

Cristina Carvalho não pára de nos surpreender. Versátil, ainda não me deparei com passagens pelo teatro ou poesia. Já o infanto-juvenil, o conto e o romance são territórios seus que tive o privilégio de desbravar. Até, mesmo, o registo biográfico que fez do seu pai, Rómulo de Carvalho/António Gedeão.

De anteriores obras falei atempadamente. Não dos seus primeiros livros a que ainda não tive tempo de chegar. Mas, garanto, que me ficaram na memória o Gato de Uppsala e A Casa das Auroras.

Foi precisamente do seu primeiro livro – Até já não é Adeus – que foi repescado o conto Ana de Londres, já publicado autonomamente em 1996 mas, agora, revisto e acrescentado.

De Yvette Centeno a David Mourão-Ferreira, vários foram os autores que disseram muito elogiosas críticas ao livro. Pela parte que me toca, conhecida que era, como referi, parte da obra da autora, fui apreciando a prosa até que, na pág. 58 deparo com o fim de frase: “[…] sair de casa, Taunus 12m […]” e os sentidos ficaram ainda mais despertos.

Porque este foi o meu primeiro carro e, com ele, provei as primeiras lufadas de liberdade individual. O mesmo não terá significado para Ana o carro do pai. Mas o meu registo ficou e, a partir daqui, fui assimilando as memórias e verificando as transformações que, pela mão de Ana de Londres, guiada pela pena da autora, se nos deparam até ao desfecho final, pouco depois da centésima página.

Cristina Carvalho não escreve gratuitamente. Na sua prosa vivemos a vida quotidiana, o drama familiar, também o individual, tudo embrulhado numa seda efabulatória surpreendente.

Ana de Londres recoloca-nos, com algum dramatismo, num ponto de viragem da nossa história recente: os anos 60, a fuga à Guerra Colonial, a necessidade de libertação provada por uma juventude filha de pais conformados, o choque com novas culturas e hábitos e as consequências daí advindas.

“Os anos tinham rodado vertiginosamente em círculos e círculos perigosos, como num poço da morte, eu não fazia a mínima ideia de como estaria, e não fazias a mínima ideia de como eu estaria.” (pág. 100).

A obra completa-se com um elucidativo prefácio de Miguel Real e belíssima ilustrações de Manuel San-Payo.

Corroboro as palavras de Yvette Centeno: “Nesta Ana de Londres é de nós todos que se fala”.

Sines, 24 de Setembro de 2013
Joaquim Gonçalves


1 comment:

Cláudia da Silva Tomazi said...

Excelente escritora Cristina Carvalho.